quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Qual é o limite do jornalista

Neste ano, época de eleições municipais, um jornalista do Jornal da Tarde – que, recentemente, deixou de circular depois de 46 anos – se candidatou para vereador de São Paulo. Ele apareceu no horário eleitoral, fez ações de campanha, tinha cavalete, número e nome. O objetivo era incorporar o papel do político e contar as experiências vividas durante a campanha. Um dos momentos mais escabrosos foi ouvir “Ah, sem problemas. Já estamos acostumados com esse tipo de trabalho. Aliás, eu até preciso ver se existe disponibilidade de veículos para o dia 7 [dia das eleições]…” de funcionário de empresa que aluga van, kombis, mini-ônibus. Leia alguns posts:


Esta não foi a primeira vez que um jornalista assumiu o papel de outro para entender, contar, enxergar por um ponto de vista diferente. No Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2011, o repórter Lauro Neto, da Revista Megazine – hoje, disponível só online –, do jornal O Globo, inscreveu-se na prova. O veículo divulgou o tema da redação antes da autorização para os estudantes deixarem a sala, e a confusão já estava armada. Uma aluna teria avisado a redação ou o repórter teria passado a informação? O resultado da experiência do jornalista como vestibulando foi contada no texto abaixo, publicado no dia 24/10/2011 e reproduzido na íntegra:

Sem ser repreendido por fiscais, repórter faz a prova do Enem 2011 com itens que eliminaram outros candidatos 
RIO - Quando fiz o Enem pela primeira vez, em 2000, não fiquei tão nervoso quanto na edição deste último fim de semana. Naquela época, a prova servia no máximo para entrar na PUC e não tinha tantos aparatos tecnológicos de segurança para evitar fraudes. No sábado, tive até que tirar meu relógio analógico de pulso a pedido do fiscal. Guardei-o prontamente com meu celular num saquinho que havia trazido de casa, já que ele não me ofereceu a bolsa lacrável recomendada pelo Inep. 

Depois da prova, fiquei intrigado quando soube que, em diferentes partes do país, candidatos estavam sendo eliminados devido ao uso de canetas não transparentes, lápis, borracha e até brincos(!). Perguntei-me se o aplicador da prova não teria atentado para a caneta toda preta que ficou durante mais de cinco horas sobre a mesa. Também achei estranho que estudantes tivessem sido desclassificados por twittarem antes do início do exame. Em pelo menos três salas vizinhas à minha, celulares tocaram durante o tempo de prova, e seus donos foram apenas orientados a desligá-los. 

Por isso, no segundo dia de prova, decidi inovar no visual: adotei não bijuterias, mas boné e óculos escuros - proibidos no edital do Enem. Comprei também um lápis com borracha na porta da faculdade, onde o vendedor garantia aos gritos: "Comprou, passou!". 

Novamente, o fiscal não me forneceu o saquinho e, desta vez, resolvi ousar: guardei meu celular no bolso, no modo silencioso, para não perturbar ninguém. Canetas (azul e preta não transparente) ficaram sobre a mesa, como no dia anterior. 

O aplicador de prova também não percebeu que vários estudantes abriram o caderno de perguntas antes de soar o sinal de início. Só depois de passada meia hora de prova, ele solicitou, educadamente, que eu tirasse o boné e o colocasse embaixo da mesa. Minutos depois, perguntou também se eu podia guardar meus óculos escuros, que estavam presos à minha camisa. Atendi-o prontamente. 

Bateu vontade de ir ao banheiro. Como não havia nenhum fiscal por perto, decidi testar a segurança da prova e mandei um SMS para a equipe de reportagem do GLOBO com o tema da redação: "Viver em rede no século XXI: os limites entre o público e o privado". Que ironia! Eu, em frente à privada, tornando pública uma informação através de comunicação em rede. Deu tempo até de mandar outro torpedo com os títulos e autores dos textos da coletânea. 

Voltei à sala, preenchi a folha de respostas com lápis, canetas azul e preta (não transparente), e dei um título à redação, pensado no banheiro: "Sorria, você está sendo eliminado!". Depois, entreguei aos fiscais e fui embora pensando: se eu fosse um aluno desesperado para entrar na faculdade, poderia até ter consultado a internet pelo celular ou trocado SMS com algum professor para tirar dúvidas... 



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