Acostumados a cobrir ações, principalmente, do Congresso e do Executivo, os jornalistas da editoria de política passaram a olhar mais para o Judiciário com o julgamento do Mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Esta é uma das percepções do repórter de O Globo e professor da PUC-Rio Chico Otávio, contada em debate no Auditório Pedro Calmon, parte da VI Semana de Jornalismo da Escola de Comunicação (ECO), da UFRJ, na manhã desta quarta-feira (28).
Chico Otávio também destacou o desafio de traduzir o “juridiquês” dos ministros do STF para os leitores e escrever sobre o julgamento de um escândalo que ocorreu há sete anos.
– Sobre o escândalo em si havia muito pouco fato novo. Não tinha da investigação em si, algo novo a noticiar. Então, o foco tinha que ser na discussão jurídica, e você também ia logicamente acompanhar a repercussão.
Ele se recordou que, este ano, o julgamento e as eleições municipais disputaram manchete e espaço no jornal. O favoritismo de Eduardo Paes, porém, favoreceu para a concentração dos jornalistas ficar com a votação do STF, em Brasília. Como consequência, a informação sobre a corrida para a Câmara dos Vereadores ficou ainda mais prejudicada.
A secretária de redação da sucursal da Folha S.Paulo no Rio de Janeiro, Cristina Grillo, lembrou que o Mensalão desperta paixões e polêmicas. A jornalista, que também tem formação em Direito, entrevistou o jurista alemão Claus Roxin em novembro deste ano sobre a teoria do domínio do fato, citada no relatório do ministro Joaquim Barbosa e pelos advogados de defesa. Roxin, responsável por aprimorar a teoria, estava no Rio para participar de um seminário, e Cristina aproveitou para conversar sobre o assunto. O feedback, no entanto, foi confuso, “uma chuva de queixas, reclamações e elogios”.
– Você é xingado de todas as maneiras pelas pessoas. Sempre pelo pseudônimo.
Mesmo quando você faz matéria que pretende ser técnica, no sentido de explicar aquilo sobre o que as pessoas estão falando – reclamou Cristina, que acha “interessante ser acusada de estar de um lado ou de estar do outro” para confirmar que está ouvindo todas as versões possíveis.
Consequências do fim do monopólio da fala e do papel cada vez maior das redes sociais, como lembra o jornalista de O Dia Fernando Molica. A cobertura política, contou Chico Otávio, também passou por mudanças. Enquanto nos anos 50, ficava muito concentrada na sessão plenária, no discurso, hoje “muitas vezes um gesto, uma expressão, um abraço, um aperto de mão podem ser mais importantes que um discurso”.
Apesar das diferenças com o passar dos anos, Molica criticou a cobertura de política dos veículos de comunicação. Para ele, falta analisar patrimônios de políticos, privatizações, doações de empresas para campanhas políticas para acompanhar com mais rigidez o desempenho dos eleitos. Molica se recordou que a estreita relação da Delta Construções com o Governo do Estado do Rio só foi desmascarada depois de o helicóptero do empresário Fernando Cavendish cair na Bahia, em junho de 2011. O jornalista revelou que a proximidade já era sabida, mas faltavam prova e tempo para investigar o caso.
– O maior problema é dinheiro para investir. Tirar um repórter [do dia a dia da redação] custa dinheiro. Tem que pagar fotógrafo, pagar viagem, e as redações estão cada vez mais enxutas – disse Molica, sobre o porquê de os jornalistas não terem olhado os contratos da empresa antes da queda do helicóptero.
Para Mario Augusto Jakobskind, correspondente do jornal uruguaio Brecha, a regulamentação da imprensa e a ampliação do espaço das mídias pública e comunitária são o caminho, porque “a imprensa [brasileira] hoje é um aparelho ideológico das elites”.
– Sem isso, a democracia vai ficar enfaixada. Não é uma verdadeira democracia. Sem acesso a informação para todos não há democracia. Vamos ficar eternamente sem atacar o principal – reforçou Jakobskind, que enxerga Venezuela e Argentina como exemplos a ser seguidos.
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